Amai-vos uns aos outros
"... Instrumentalizar essas palavras sagradas para justificar o contrário do que elas significam é profundamente desrespeitoso e ofensivo àquilo que os cristãos têm como muito sagrado e verdadeiro."
Jesus lavou os pés dos apóstolos e ordenou-lhes que fizessem a mesma coisa, pondo-se ao serviço do próximo com toda a humildade e dedicação: "Dei-vos o exemplo para que façais assim como eu vos fiz" (cf João 13,15). Não se trata apenas de um exemplo edificante, mas do sinal de participação no amor e amizade de Jesus. São Pedro relutou a deixar que o Mestre lhe lavasse os pés, mas Jesus lhe explicou: "Se eu não te lavar os pés, não terás parte comigo" (João, 13,6-10). Quem quiser ter parte no amor de Jesus Cristo deve amar o próximo, pondo-se ao seu serviço, como Jesus fez.
Logo em seguida, a narração continua com o mandamento novo e Jesus ordena: "Amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim deveis amar-vos uns aos outros" (João 13,34-35). A novidade desse mandamento consiste na medida do amor: "Como eu vos amei". De fato, as Escrituras Sagradas já registravam uma ordem semelhante de Deus: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Levítico 19,18). Jesus coloca um referencial novo - "como eu vos amei" -, inseparável da primeira parte da recomendação - "amai-vos uns aos outros".
No mesmo relato de despedida, na comparação da videira, Jesus explica que a capacidade de amar "como" ele amou vem da união estreita do discípulo com o Mestre. Como o ramo não é capaz de produzir fruto sem estar unido ao tronco da videira, assim também o discípulo, sem uma vinculação estreita com Jesus, não saberá amar como ele amou. E o amor de Jesus se vincula diretamente ao próprio amor de Deus: amar a Jesus Cristo é amar a Deus e ser por Deus amado (cf João 15). Nesse mesmo contexto, Jesus recomenda novamente: "Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei" (João 15,12). Portanto, "como eu vos amei" tem sua origem no próprio amor de Deus, aprendido de Cristo e tornado possível com a ajuda dele.
O papa Bento XVI reflete sobre os vários graus do amor humano na sua primeira encíclica, Deus Caritas Est (Deus É Amor); na nomenclatura cristã, o amor com que Deus nos ama e com o qual devemos retribuir o amor de Deus se chama "ágape".
Jesus não excluiu ninguém do seu amor. Amou pessoas concretas, defendendo e restituindo a dignidade aos humilhados; amou os doentes, os pobres, as crianças, os homens, as mulheres. Em cada pessoa viu e amou um filho de Deus. Acolheu e perdoou os pecadores, mesmo não aprovando todos os seus comportamentos e atitudes, recomendando-lhes que não voltassem a pecar. Ensinou a amar também os inimigos e, ainda no momento extremo de seu suplício na cruz, ele próprio perdoou aos algozes: "Pai, perdoai-lhes; não sabem o que fazem". Amou com amor puro, genuíno, transparente, sem se apossar das pessoas como se fossem objetos de desejo; amou como Deus ama. Sim, amadas por Jesus, as pessoas sentiam-se amadas por Deus, dignificadas, profundamente valorizadas, restituídas à vida, felizes.
Logo após o "mandamento novo", Jesus colocou mais um parâmetro para o amor que praticou e ensinou a viver: "Não há maior amor que dar a vida pelos amigos". Ele próprio o fez: "Tendo amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim" (João 13,1). Seu "fim" foram prisão, tortura e injusta condenação à morte na cruz. Suportou tudo por aqueles que amava. E o fez também por toda a humanidade, para que cada ser humano pudesse sentir-se valorizado e amado por Deus: "Tanto Deus amou o mundo que lhe enviou seu Filho único para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna" (João, 3,16).
"Amai-vos uns aos outros" é apenas uma parte do mandamento novo de Jesus; sem a outra parte - "como eu vos amei" -, as belas palavras de Jesus ficam genéricas, ambíguas, expostas à instrumentalização subjetiva e ao deboche desrespeitoso. De fato, várias supostas maneiras de amar não são recomendadas por Jesus: amor possessivo, ciumento, irresponsável diante das consequências, anárquico, promíscuo, violento, sádico, devasso, egoísta, comprado ou vendido, contrário à natureza... Não são expressões de autêntico amor e, no mínimo, não podem pretender-se legitimadas pela recomendação de Jesus: "Amai-vos uns aos outros".
Mas é certo que fazem parte do amor vivido e ensinado por Cristo as qualidades exigentes que lhe atribui São Paulo no belo poema sobre o amor, na sua primeira Carta aos Coríntios (cf 13,4-8): "O amor é paciente, é benfazejo, não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não faz nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza nem leva em conta o mal sofrido; não se alegra com a injustiça, mas fica feliz com a verdade. O amor desculpa tudo, tudo crê, tudo espera, suporta tudo. O amor jamais passará".
Semelhante amor está abrigado inteiramente nas palavras de Cristo:
"Amai-vos uns aos outros... Como eu vos amei". Instrumentalizar essas palavras sagradas para justificar o contrário do que elas significam é profundamente desrespeitoso e ofensivo àquilo que os cristãos têm como muito sagrado e verdadeiro.
Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO, ed. de 11.06.2011
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